Revista de Ciências Humanas publica estudo de caso sobre a negação do negro em famílias inter-raciais
A “Revista de Ciências Humanas – RCH” publicou o volume 51, número 2, comemorativo aos 35 anos da publicação. A edição traz uma nova identidade visual e marca também outras mudanças editoriais em curso: a revista passa a adotar a modalidade de publicação continuada – não mais organizada em números dentro de cada volume, incrementa sua equipe editorial, adota um novo projeto gráfico e se conecta com as tendências da editoração científica.
De acordo com as editoras, Ana Lídia Campos Brizola e Katia Maheirie, “através da manutenção de avaliações regulares e consistentes das submissões recebidas, do compromisso com a periodicidade e busca constante de atualização em relação ao cenário editorial científico mundial, a RCH vem se constituindo um veículo de crescente interesse por parte de pesquisadores e referência em termos de normalização para a construção de um perfil mais preciso da produção científica brasileira. Como resultado, as submissões e acessos às edições publicadas cresceram na ordem de 300% nos últimos quatro anos.”
Desta edição, integrada por 11 artigos originais e quatro resenhas, destaca-se o artigo “Minha mãe pintou meu pai de branco: afetos e negação da raça em famílias interraciais”, escrito por Lia Vainer Schucman, Belinda Mandelbaum e Felipe Fachim, evidencia as maneiras pelas quais o negro, junto com a sua história e ancestralidade, é frequentemente negado no interior da dinâmica em uma família inter-racial.
Para a autora Lia Vainer, “o racismo é um fenômeno que demanda, para ser conhecido, tanto a investigação de seus determinantes objetivos no campo da História e das Ciências Sociais quanto a compreensão de seus impactos psíquicos nos sujeitos nas famílias e nos grupos.”
O núcleo familiar inter-racial é um espaço privilegiado para o desenvolvimento de estratégias para o enfrentamento da violência racista que é notada na sociedade. No entanto, estes espaços promovem com frequência a legitimação e a consolidação da hierarquia racial existente no cenário social brasileiro, principalmente pela negação dos familiares negros por parte dos integrantes brancos da família.
Para este estudo de caso, foram entrevistadas famílias inter-raciais e escolhidas duas delas para construir uma narrativa. Como classificações raciais são relacionais e situacionais, o que possibilita a existência de divergência entre a denominação racial, as famílias deveriam ser consideradas inter-raciais pelos dois entrevistadores e por, pelo menos, um dos familiares.
A gama de classificação de cores foi confusa, o que gerou um completo desentendimento quanto às classificações raciais durante os primeiros momentos da entrevista. A heteroclassificação de cor e etnia dos pesquisadores foi, no geral, bastante diferente dos próprios entrevistados. Diversas vezes, foram registrados discursos em que houve o “branqueamento” dos integrantes da família. Apesar de muito mais frequente nos membros brancos, a negação da identidade negra também foi registrada em membros negros. Palavras como “mais escuro”, “moreninha”, “parda” e “mulata” apareceram nas descrições raciais.
Existem conteúdos que evidenciam o comportamento de negação da própria herança por pessoas negras em relacionamento com pessoas brancas:
- ideia de que a discriminação acontece apenas por causa da distribuição desigual de renda;
- discurso romântico da identidade miscigenada do brasileiro;
- ideia de hierarquização das pessoas brancas como melhores que as negras;
- ideologia da inferiorização da cultura africana perante a europeia;
- afastamento do racismo.
A Revista de Ciências Humanas – RCH tem contribuído para a disseminação do conhecimento produzido no âmbito da academia desde 1982. “Desde então, a RCH vem estimulando a renovação de temáticas e perspectivas, desvelando atores sociais seja em projetos de submissão e controle, seja em novas formas de resistência e transcendência. Não seria diferente nessa edição comemorativa, que traz questões fundamentais para uma visão crítica do momento presente, em que a sociedade vive um retrocesso em relação às instituições democráticas e direitos humanos”, afirmam as editoras.
A revista publica textos inéditos, privilegiando abordagens interdisciplinares, pesquisas teóricas e/ou empíricas, revisões da literatura de pesquisa e reflexões críticas. O conteúdo desta e das demais edições da RCH está disponível em acesso aberto, via Portal de Periódicos UFSC. Para conferi-lo, acesse o site da revista.
Patrícia Pimenta de Paula/Estagiária de Letras-Português/Portal de Periódicos UFSC